Hoje, dia dos ancestrais, se faz mais um desses dias cinzas, nublados, em que me sinto
arrebatado a entender minha existência neste mundo, e me sentir mais humano por
sentir as perdas que naturalmente acumulo em minha solitária jornada.
Um copo de
vinho tinto suave ao alcance das mãos quebra o silêncio do limitado quarto que vivo
a maior parte do tempo aqui no Rio de Janeiro. Hoje, este pequeno quarto parece
ser um estádio de futebol vazio, comigo ao centro e, não importa o desempenho
que eu tenha, essa sensação de vazio, não se distancia...
O dia iniciou
com música em som alto, (re)assisti ao filme “O dia em que a terra parou”, pensei na possibilidade de mudanças radicais, conversei ao telefone, naturalmente pensei nos mortos e nos que viverm que me arrancam saudades. Penso no quanto sou grato por ter tantos que destinam parte de tua existência em meu convívio.
Alguns, os
meus pensamentos precisaram parar para curtir mais a saudade, meu Avô,
Dindinha, Isaac, meu menino precoce... Este último fez-me melhor e marcou minha
vida com sua curta trajetória. Deu-me esta triste música que compartilho, mais
parece uma profecia... Quantas saudades...
A música cantada em MI+ leva seu nome, Isaac
Linhagem de
um Rei
Escravo de
um sistema
A benção lhe
faltou
Te tirando
de cena, eu sei
Que a tua pele
Negra te faz
Apenas um
dado esquecido
Homem
menino, sofrido...
Isaac Javé;
Nos olhos um
homem de fé
Que da Luz
foi retirado
Seu corpo
escravizado
Isaac Javé;
Nos olhos
nos diz quem tu és
Um homem
menino perdido
Um corpo
desprotegido
Morrer não
dá mais
A morte te
espera em paz
Homem
menino, sofrido...
Engaçado
como a morte nos faz vivos. Paradoxalmente, em dias como o de hoje, em que
somos escolarizados a pensar na morte, a comprar velas e flores e visitar nossos antepassados no cemitério, temos um feriado para tal nostalgia.
Vagamente refletimos
sobre o tempo, a vida e a existência, daí sentimos vivos e humanos, também
pequenos e vulneráveis, a morte nos faz sentir assim... Esta sensação é forte e
enlouquecedora, e justifica nossos silêncios, que na maior parte das vezes, nos
leva a anestesias profundas do pensar, refletir, indagar...
Enquanto a
garrafa de vinho abaixa o nível, o líquido em mim altera meu poder de
percepção, e certifico o quão é infinitamente melhor se vive sem estas questões,
mas essa decididamente não foi a vida que escolhi, daí (re)existo, (sobre)vivo...
Pensei muito
no Zé, um cara sem igual, carismático, palhaço até os fios do cabelo, pai de
uma grande amiga. Em seu velório, fui presenteado com uma canção de amor, uma
das mais belas que consegui compor até hoje.
A cena ainda
é perfeita em minha mente, o dia amanhecia, quando vi sua filha, K-rol se
despedir em lágrimas a beira de seu caixão. Eu sentado a beira da porta,
fotografei cada detalhe daquela conversa regada por lágrimas, saudades, perdão,
amor, raiva, medo, desilusão, tudo junto consumindo-a e todas nós ao seu
entorno. A morte nos tira do eixo... A canção leva o nome de parte final da
letra “Vivendo em Mim”, cantada em SOL+...
Como dói
Ver você
partindo sem me dá um adeus
Ver me
despedindo dos carinhos seus
Ter que
acostumar, sem os teus abraços
Ah como dói
Ver o dia
nascer sem o teu brilho
A alegria
simples do teu sorriso
A imensidão
de mim que há em você
Meu amor
Minha fonte
de inspiração
Parte deste
meu coração
Não me deixe
aqui
Fica perto
de mim
Meu amor
Luz que
encanta minha razão
Eu te
entrego meu coração
E te deixo
ir
Mas não vou
impedir
Que continue
vivendo em mim...
Esse dia que
mais parece uma semana chega ao fim. De cá, olho a vida de fora dela, imagino
todos que amo e que longe estão... Envio
o melhor que tenho, meus libertários pensamentos. Sóbrios, como na maior parte
do tempo, ou embriagados de saudades como os que agora emanam de mim...
Creio que seja um bom momento para eu confessar meu amor. A todas que fazem parte de minha
vida e soma ao que tenho me transformado meu sincero Amor... A você que ler o
que escrevo e se contamina com um pouco de mim, muito obrigado por existir e
por gastar parte de tua vida comigo...
Acho muito interessante tudo que escreve! Parabéns Juliano!
ResponderExcluirJu e suas belezuras, até para falar das coisas mais complicadas da vida... graças a ser uma pessoa (sobre)vivente!
ResponderExcluirBeijos
Grande amigo, a vida é isto: um instante e nada mais. E a solidão é nossa eterna companheira. Hoje, indo assistir a um espetáculo, encontrei uma senhorinha negra, bem velhinha, sentada sobre uma caixa nas ruas do centro do RJ. Ela me pediu um cigarro... ela estava tremendo de frio. Isso foi a maior das mortes que vivenciei hoje. Estou de luto. Aquela imagem e minha impotência diante daquilo não me dão trégua.
ResponderExcluirFique bem! Há um ditado africano que nos diz que "O bem passa. O mal também passa". Daqui a pouco o dia dos mortos acaba e continuamos vivos. A vida é rica e cheia de momentos felizes. Sustentemo-nos nisso! Grande abraço fraterno! Beto Borges
Doce Juliano,
ResponderExcluirNas veredas do grande sertão, aprendemos "que as pessoas não morrem, ficam encantadas", o que conforta/conforma, ao menos um pouquinho, quando nos dispomos a refletir sobre a "despedidosa dose", na expressão de Rosa. Pensar, então, que a morte faz parte da vida revela e nivela coisas reais e importantes como orgulho, expectativas externas, medo de errar... porque, em Rosa, conhecemos que existe é "homem humano. Travessia".
Seu texto lembrou-me do conto roseano "Cara-de-Bronze" que, à semelhança do que você coloca, entrecruza substancialmente as dimensões vida, morte e poesia.
Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...
Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força de dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...
Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
e deveria rir , se me retasse o riso,
das tormentas que poupam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...
[João Guimarães Rosa, do livro "Guimarães Rosa: magma e gênese da obra"]
Beijos...