A frase título, que introduz
informações sobre o segundo dia da atividade de formação “Interseccionalidades
de raça, gênero e geração nas Políticas Públicas e no Orçamento Público, com
foco na saúde das mulheres negras”, organizado pelo UNFPA e CRIOLA, que se
estenderá até o dia 31 de março de 2012 em Brasília/DF, foi o resultado da
dinâmica de regresso do almoço, do Grupo de Saúde, formados por participantes da
formação.
Entoada nas diversas vozes
presentes, a frase revela os sentimentos já sedimentados nas mulheres negras, e as expectativas existentes para
os próximos dias, o que aumenta a responsabilidade das próximas exposições, bem
como do papel multiplicador de cada uma presente na atividade. A avaliação do
primeiro dia de trabalhos feito na manhã de hoje 27/03 refletiu sobre a importância
desse momento histórico para as mulheres negras, e a qualidade das
apresentações e dos debates, realizados em alto nível teórico, para mim é ingrediente de novas descobertas e ampliação de um olhar que minha formação de homem, minhas ideologias patriarcalistas e machistas insistiam em negligenciar ver.
Após a apresentação do “Jornal Matinal”,
atividade realizada por três voluntárias que se revezam a cada dia do encontro,
tendo como objetivo: versar sobre os acontecimentos do mundo sobre a temática
em debate, e os acontecimentos mais polêmicos e cômicos do evento, marcante a
cada dia, a programação recebeu Lidiani Gonçalves, ativista do movimento feminista
que apresentou na perspectiva do Direito, a longa trajetória histórica das lutas sociais nos Tratados, Conversões, Pactos, Declarações e Conferências Internacionais que o
Brasil é signatário. Revelou a importância da apropriação destas ferramentas para qualificação da ação política. A programação seguiu com a Dra. Maria Inês Barbosa que indubitavelmente
merece o maior destaque nas ações deste segundo dia de formação.
Dra. Maria Inês Barbosa... Indescritível... |
Após trazer o relato histórico da
luta do Movimento Social Negro no Brasil e versar sobre a mudança decisiva de postura que por
parte dos ativistas tiveram, em especial por mulheres negras após 1980, revelando a decisão política de apropriação do espaço acadêmico nesta data, Maria Inês pontuou a VII Conferência Nacional
de Saúde como marco histórico na saúde brasileira, em especial para se pensar à
saúde das mulheres negras. Esta conferência, segundo Maria Inês, questiona o
conceito de saúde adotado pela ONU, que se baseia no “Modelo Flexineriano”
ainda não superado em nossa sociedade, onde foco é dado na doença de forma individual e concreta. Quanto somos tratadas/os como pacientes, ou meros leitos de hospitais é sinal que o modelo ainda persiste na saúde. Sua apresentação foi principalmente baseada
nos estudos da médica negra Câmara Jhones, que estudou as dimensões do
racismo nos Estados Unidos. Maria Inês usa parte dos estudos de forma
metafórica, para exemplificar como esse fenômeno ocorre no Brasil. Incita a
importância de um Projeto Político para o Povo Negro, suas metas para curto,
médio e longo prazo. Tomada por uma dialética metodológica invejável, Maria
Inês faz analogias, apresenta exemplos próximos das realidades das
participantes, que propicia fácil assimilação do conteúdo. Encerra refletindo
que a luta anti-racista no Brasil, antes de querer combater o racismo, é preciso
revelá-lo, retirar o véu que o esconde, pois sua desconstrução só poderá ser
feita de forma coletiva. É invejável a forma como essa mulher usa as palavras, Eu quero rsrsrsrsrsrsrsrs...
As exposições da segunda metade
do dia trazem novamente para o centro dos debates, o desafio de se garantir os
direitos sexuais e reprodutivos, direitos que inegavelmente vem se avançando em
partes (reprodutivos) e tendo dificuldades, barreiras, retrocessos em outras (sexuais). Mediando
e problematizando as exposições das representantes governamentais da Secretaria
Nacional de Mulher (Beth Saar) e da Área Técnica de Saúde da Mulher/MS (Ester Maia), a médica professora
Wilza Vilella (UNIFESP) possibilitou um debate saudável e enriquecedor para a
formação.
Eu e Patricia (irmã), jovem, negra a quem minhas transformações são dedicadas |
O Dia encerrou-se com a
apresentação da epidemiologista Raquel B. de Lima, da Coordenação de Vigilância
de Óbitos/MS, que apresentou dados importantes embora tristes e desafiadores
para a saúde brasileira. Fiquei assustado em saber a quantidade de pessoas que morre por ano no Brasil. Em conversas no corredor Raquel revelou que o departamento trabalha com a margem de 1 milhão/ano. Certamente mais me assustou ao saber que morrem aproximadamente 65.000 mulheres em idade fértil ( entre 10 e 49 anos). Esse dado sem dúvidas me impactou e me deixou indignações severas ao revelar que mulheres negras tem 3 (três) vezes mais chances de morrer em
idade fértil que as mulheres brancas. Isso significa que por dia, morrem no
Brasil em idade fértil aproximadamente 180 mulheres, e a suprema maioria é negra.
Ao desagregar os dados por geração, Raquel mostra que de 2000 a 2010 o número
de óbitos diagnosticados de mulheres jovens brancas caiu, enquanto o número de óbitos
diagnosticados de mulheres negras aumentou significativamente.
O segundo dia de atividades
encerrou, deixando muitas inquietações, dúvidas e revoltas internas, revelando que
a formação é uma importante ferramenta para qualificar as ações políticas e
romper na luta anti-racista no Brasil.