A
gata preta demonstra preferência pelo gato preto, e permite que ele se enrosque
em seu pescoço. Ele se delicia naqueles pêlos aveludados que só a gata preta
possui, mas não perde de vista que ela tem seus projetos pessoais.
Um
dia a gata é aprovada em concurso público, passa a viver em outro Estado. O
gato se frustra. Namorar à distancia é caro, exige mais dedicação ao trabalho.
Ele não consegue acompanhar a dinâmica e a inteligência da gata preta e sabe
que o trabalho nunca foi o seu forte. A gata desconsiderando a princípio
a falta de empenho se esforça em fazer visitas com freqüência, porém não visualizando
feedback passa a responder às exigências do trabalho que a suga cada vez mais e
mais e o desejo pelo gato preto se dilui no descompasso do ritmo, que do lado
do gato preto é infinitamente mais lento.
Entrementes, o gato preto olha para todos os lados à procura de uma parceira na
qual consiga compartilhar sua vida, sem a quebra de sua inércia, que é lenta.
Como o mercado afetivo está em falta para as gatas, pois, a caça aos gatos -
que tem privilegiado os gatos e pretos da periferia - um coeficiente que é
negativo aos gatos pretos, paradoxalmente também o é positivo na matéria de
relacionamentos, aumentando a concorrência aos gatos pretos sobreviventes. O
mercado afetivo, fraco para gatas de todas as raças e cores, não possibilita
dificuldades ao gato preto, que ainda pode escolher e o faz investindo toda sua
lábia na gata mestiça, que é mais mansa, e não exige tanto o trabalho como a
gata preta. Habitante da mesma cidade parece disposta a amá-lo e eles se
entregam. Incondicionalmente, como precisam e desejam. Conquista a gata
mestiça, ele se esparrama em seu sofá e toma posse do controle remoto da
televisão, som, e do ar condicionado. Deseja assistir o futebol, no horário do
programa favorito da gata mestiça, que acompanhava todas as noites até antes da
chegada do gato preto em sua vida. Nada conta à gata preta, mas a gata descobre
que o gato preto havia sido largado por uma outra e preta e descobre que seu
gato, além de folgado, também é desleal, conformes fontes secretas do faceboock
felino e manda-o pastar.
Humilhado, mas consciente de seu poder de sedução e do privilégio de estar
vivo, ele passeia entre tons mais claros de felinas, escolhido a dedo no cartel
de cores. Não se esforça muito, pois, falta gato até para os gatos. O gato
preto sabe que trabalhar não apetece seus instintos, não sabe como fazê-lo e
decide não se esforçar para segui-lo. No histórico recente, pulou do futebol
para o rap, flertou com o funk e agora é pagodeiro. Em ambos espaços dançou
conforme a música, e sempre se deu bem, pois, o sistema patriargato está a seu
favor... Se aventura no sonho de ser famoso e estrelar uma edição da Caras dos
Felinos, acha que assim pode provar para si mesmo e para a gata preta que o
deixou no passado que conseguira evoluir. Suas frustrações o perseguem...
No pagode conhece a gata ideal. Preta, gringa e bem sucedida. Nem dá adeus à
outra gata que estava no momento e jogo seu poder de sedução, conquista a gata
nova. Ele é o príncipe, por quem ela ansiara toda a vida, e seu ritmo lento e
manso na vida real era compensado pelas suas performances e beleza...
Os
dois namoram como gatos no cio. O esperado, na idade fértil dela acontece,
gatinhos à vista. Ela pensa que não pode viver sem ele e agora com um filho,
formarão uma família. Outro sonho realizado. Precisam ficar juntos. Cumpre
levá-lo para a Gringolândia. Tudo que ele mais queria. Sombra e água fresca...
No
começo, doces são os planos e insaciável o sexo. O gato preto, encantado com o
mundo gringo, precisa de tempo para adaptar-se. Ela compreende. Nesse
intervalo, o gato não trabalha, estuda gringolês pela TV, arruma a casa, malham
os músculos, afinal essa vaidade ele nunca pudera perder e espera a gata chegar
do trabalho com a comida pronta. Aguarda que os demais da Gringolândia,
reconheçam seu valor de gato especial, como sua gata em casa.
Nasce
o primeiro herdeiro e há notícias de que a gata gringa gesta o segundo. Em
silêncio desesperançado, ela observa, reiteradas vezes, o gato amado rejeitar a
ocupação de caça-ratos, que poderia ajudá-la a comprar a ração das crias.
Assusta com sua passividade perante a vida. Ele sem saber ao certo como
desenrolar os trabalhos domésticos terá agora que assumir a educação dos
filhotes pequenos. Aí percebe o quanto pesa o nome “do lar”.
Ele, com dois gatinhos novos em casa, dá-se conta de que as mordomias de gatão
mimado estão diminuindo. A disponibilidade para o sexo não é a mesma, pois ao
final do dia ele está acabado de tanto cansado, então começa a estudar outras
formas de miar em outros telhados, pois não sabe da existência de novas
gatolinidades desenvolvidas para os gatos modernos, então, mergulha em sua
covardia. Está à espreita de uma gata branca, desprezada pelos gatões tipo alfa
do pedaço, mas que já alcançou uma certa condição estável financeiramente
falando, e parece que já tem uma miando em sua direção. Haja o que houver, está
decidido a fincar garras na Gringolândia, e assim o faz, pois, o mercado
afetivo está ao seu favor. Uma perversa, porém, doce prisão...