Algemas nos aprisionam o corpo, Ideologias, a mente.
Passados 10 anos desde que deixei a casa de minha mãe e do meu pai, e notifiquei os meus interesses em tomar as rédeas de minha vida, e o desejo por
caminhos que julgava e julgo serem os mais sensatos para mim, venho-me (des)construindo,
dia pós dia, morrendo e gestando entre o hoje e o amanhã.
O rotineiro silencio é uma ferramenta providencial para minha reconstrução diária. Mergulho profundamente em divagações e reflexões que possibilitam problematizar o falso-privilégio estrutural, que poucos
como eu tem/terão acesso, e que me custa muito. Viver com tempo para pensar e refletir, é uma arma para a vida nos moldes em que ela naturalmente se estabelece. Tempo e reflexão, serão sempre a principal pauta na negociação com a liberdade.
O dia nesses últimos 08 anos em que consegui garantir tempo e solidão ao meu corpo e mente, tem sido de
muitos aprendizados, que me faz contabilizar a vida pelas mudanças que meu olhar adquiriu, ou superou, nesse doloroso percurso da vida real. É alto o preço pago em cada decisão
tomada. O valor das derrotas e das vitórias que preenchem meu currículo, me
são tão importantes quanto os objetivos que ainda pretendo alcançar, aliás, são
mais caras...
Nos últimos anos, tenho buscado encontrar mais significados
que os naturalizados, sobre a minha masculinidade racista, classista, sexista e
homofóbica. Fui construído assim, e
penso que todos somos...
Juliano Gonçalves Pereira |
Vivemos algemados por várias prisões, pois, vemos o mundo sobre
a ótica hegemônica de um homem capitalista branco adulto, hétero, cristão, homofóbico,
machista, sexista, e romper esse olhar não é fácil... pelo menos não tem sido para mim... A sedução de manter neste padrão é grande, e um referencial muito forte...
Passo a passo, dia pós
dia estou buscando abstrair essas categorias em minha existência, pois percebo que elas me
negam, me fagocitam e me violentam na mesma proporção que me acolhe, me
privilegia e me seduz a existência...
São diversas as cobranças simbólicas que esse existir exige.
De tal maneira, aprisiona meu corpo a uma lógica existencial cuja solução eficaz
é a morte. E antes que me mate como tem sido corriqueiro no Brasil, procuro
eliminar-me por dentro. Superar essa existência que não solicitei e não quero
para mim.
Próximo aos 30 anos, sou um sobrevivente nesse país que adora
matar jovens negros, se destacando dos demais países do mundo em sua eficácia. A naturalidade
dessa existência forjada, cobra-me, me extorqui um casamento, um emprego
fixo, e mais do que tudo, ser bem sucedido financeiramente.
A masculinidade herdada
e inscrita se engarrega de dar forma a violenta exigência de filhos e bons comentários entre as mulheres,
em ser um marido bondoso, atencioso, e com muitos créditos se reparto os trabalhos domésticos, reforçando o estereótipo padrão macho sensível negro-falo de ser... Isto me agride por dentro, cerceia minha naturalidade
e desconsidera meus sonhos e pensamentos. Não posso isso, não quero, não permito...
Se por um lado há privilégios, por ser construído homem, hétero etc,
por outro, me asfixiam por ser negro... Meu corpo nasceu endividado e aprisionado
a correntes físicas e ideológicas. Sou invisibilizado e lutar contra isso é minha grande luta, cuja solução é "destruir-me do que sou, para jamais ser subordinado a interpelações absurdas" como corriqueiramente acontecem.
Não me comporto nesse modelo masculino, que produz
vulnerabilidades absurdas, sufoca, escraviza e impede de gritar o mal que faz a
mim e a tudo que me circunscreve. Não caibo mais nesse padrão, e preciso me
libertar dessa minha angustiada existêncial antes que seja tarde.
Deixo os pseudo-privilégios, que me banem do direito de ser o
que sou, que me acusa, me julga e me mata nas ruas todos os dias, e me procuro desesperadamente em outras possibilidades de existência, em outras formas de ser humano, pois
esta está doente...
Morro a cada dia, até que a estatística real não me contabilize.
Nasço a cada manhã e começo meu último dia na busca desenfreada de um novo
eu...